quinta-feira, 28 de julho de 2011
quinta-feira, 21 de julho de 2011
O que fazer com as cracolândias?
por: Rita de Cássia de Araújo Almeida
psicanalista, trabalhadora da rede de saúde mental do SUS
Responder a esta questão tem sido um desafio. E as respostas, em geral, têm se sustentado num discurso meramente higienista, cuja pretensão é, simplesmente, limpar certos locais do que a sociedade atual enxerga como lixo: certos usuários de droga, especialmente os de crack. A decisão de vários municípios, seja por intermédio da justiça ou por mera intervenção do poder público, tem sido a de promover a retirada das pessoas desses lugares sob as mais diversas alegações: de que estão infringindo a lei, perturbando a ordem pública ou de que precisam ser deslocadas para locais de assistência e tratamento.
Sabemos, no entanto, que a maior parte das intervenções feitas até o momento, apesar de muitas vezes travestidas dos mais dignos e decentes atos "humanos" e "cristãos", na verdade, só cumprem a função de limpar nossas cidades daquilo que a "sociedade de bem" não deseja ver; daquilo que lhe parece incômodo, inútil e sem valor.
E não é a primeira vez que esse tipo de estratégia é utilizada. Num passado não muito distante, que coincide com o início da era capitalista, loucos, bêbados, mendigos, aleijados, e todos aqueles que não serviam para movimentar a roda do sistema capitalista, que não podiam vender sua força de trabalho, foram recolhidos das ruas e encarcerados no Hospital Geral; instituição criada para esse fim. A ordem era sanear as cidades. Não estaríamos propondo a mesma coisa para as cracolândias?
Mas há uma outra pergunta desafiadora que talvez seja mais interessante que a que intitula este artigo, capaz de produzir respostas mais potentes para o fenômeno das cracolândias. Foi um amigo que me presenteou com esta reflexão: Porque exitem cracolândias? Porque não ouvimos falar de maconholândias, cocainolândias ou ecstasyitolândias?
Trata-se de uma pergunta realmente intrigante que me fez pensar, dentre outras coisas, sobre o lugar social que o crack vem ocupando no Brasil. Apesar de sabermos que o uso do crack está presente nas diversas classes sociais, é no abandono social e nas ruas que ele tem mostrado sua face mais perversa. Não há justificativa para defendermos a tese de que as cracolândias são formadas apenas pelo poder devastador e desagregador da química do crack, com se o crack fosse o único responsável pelas cracolândias. É muito mais realista pensar que um certo tipo de população já excluída pela sociedade, seja pela miséria, pelo abandono, pelo alcoolismo ou pela dependência de outras drogas, fez do crack "a sua droga", numa tentativa de remediar o próprio sofrimento, e para isso precisaram criar um lugar delimitado na pólis. As cracolândias, na verdade, são frutos de políticas preconceituosas, excludentes, moralistas e da tão anunciada "guerra contra as drogas". Enquanto continuarmos em "guerra contra as drogas", as cracolândias funcionarão como um território de refugiados, como um gueto para os excluídos.
É de Slavo Zizek a seguinte afirmação: "É bem verdade que vivemos numa sociedade de escolhas arriscadas, mas apenas alguns têm a escolha, enquanto outros ficam com o risco". Na questão do uso de drogas isso fica muito claro. Apenas a "sociedade de bem" fica com as escolhas, mesmo que porventura arriscadas. Ela pode escolher entre vodka ou cerveja, se vai tomar remédios para dormir ou para se livrar do pânico cotidiano, se sua balada vai ser movida a "doce" ou "bala". Mas os frequentadores das cracolândias ou os que estão caminhando para ela, são exatamente os que perderam suas possibilidades de escolha e ficaram apenas com o risco.
Diante dessa realidade, o único caminho sensato para se pensar as cracolândias seria no sentido de reduzir os riscos que seus frequentadores enfrentam e possibilitar-lhes escolhas, sem esquecer que oferecer-lhes escolhas não é escolher por eles. Entretanto, sabemos que em muitos casos, a degradação subjetiva pode ter lhes prejudicado severamente a capacidade de fazer escolhas. Podemos, nesses casos, criar estratégias que nos possibilitem escolher com eles, mas jamais à revelia deles, como se tem feito. Também não devemos ofertar a essas pessoas apenas dois caminhos possíveis: com drogas ou sem drogas. É fundamental também considerar possibilidades que incluam viver - com dignidade, com todas as suas potencialidades e contradições - apesar das drogas. E sem nenhuma hipocrisia, tal como faz a maioria de nós.
Fonte: http://ritadecassiadeaalmeida.blogspot.com/2011/07/o-que-fazer-com-as-cracolandias.html
psicanalista, trabalhadora da rede de saúde mental do SUS
Responder a esta questão tem sido um desafio. E as respostas, em geral, têm se sustentado num discurso meramente higienista, cuja pretensão é, simplesmente, limpar certos locais do que a sociedade atual enxerga como lixo: certos usuários de droga, especialmente os de crack. A decisão de vários municípios, seja por intermédio da justiça ou por mera intervenção do poder público, tem sido a de promover a retirada das pessoas desses lugares sob as mais diversas alegações: de que estão infringindo a lei, perturbando a ordem pública ou de que precisam ser deslocadas para locais de assistência e tratamento.
Sabemos, no entanto, que a maior parte das intervenções feitas até o momento, apesar de muitas vezes travestidas dos mais dignos e decentes atos "humanos" e "cristãos", na verdade, só cumprem a função de limpar nossas cidades daquilo que a "sociedade de bem" não deseja ver; daquilo que lhe parece incômodo, inútil e sem valor.
E não é a primeira vez que esse tipo de estratégia é utilizada. Num passado não muito distante, que coincide com o início da era capitalista, loucos, bêbados, mendigos, aleijados, e todos aqueles que não serviam para movimentar a roda do sistema capitalista, que não podiam vender sua força de trabalho, foram recolhidos das ruas e encarcerados no Hospital Geral; instituição criada para esse fim. A ordem era sanear as cidades. Não estaríamos propondo a mesma coisa para as cracolândias?
Mas há uma outra pergunta desafiadora que talvez seja mais interessante que a que intitula este artigo, capaz de produzir respostas mais potentes para o fenômeno das cracolândias. Foi um amigo que me presenteou com esta reflexão: Porque exitem cracolândias? Porque não ouvimos falar de maconholândias, cocainolândias ou ecstasyitolândias?
Trata-se de uma pergunta realmente intrigante que me fez pensar, dentre outras coisas, sobre o lugar social que o crack vem ocupando no Brasil. Apesar de sabermos que o uso do crack está presente nas diversas classes sociais, é no abandono social e nas ruas que ele tem mostrado sua face mais perversa. Não há justificativa para defendermos a tese de que as cracolândias são formadas apenas pelo poder devastador e desagregador da química do crack, com se o crack fosse o único responsável pelas cracolândias. É muito mais realista pensar que um certo tipo de população já excluída pela sociedade, seja pela miséria, pelo abandono, pelo alcoolismo ou pela dependência de outras drogas, fez do crack "a sua droga", numa tentativa de remediar o próprio sofrimento, e para isso precisaram criar um lugar delimitado na pólis. As cracolândias, na verdade, são frutos de políticas preconceituosas, excludentes, moralistas e da tão anunciada "guerra contra as drogas". Enquanto continuarmos em "guerra contra as drogas", as cracolândias funcionarão como um território de refugiados, como um gueto para os excluídos.
É de Slavo Zizek a seguinte afirmação: "É bem verdade que vivemos numa sociedade de escolhas arriscadas, mas apenas alguns têm a escolha, enquanto outros ficam com o risco". Na questão do uso de drogas isso fica muito claro. Apenas a "sociedade de bem" fica com as escolhas, mesmo que porventura arriscadas. Ela pode escolher entre vodka ou cerveja, se vai tomar remédios para dormir ou para se livrar do pânico cotidiano, se sua balada vai ser movida a "doce" ou "bala". Mas os frequentadores das cracolândias ou os que estão caminhando para ela, são exatamente os que perderam suas possibilidades de escolha e ficaram apenas com o risco.
Diante dessa realidade, o único caminho sensato para se pensar as cracolândias seria no sentido de reduzir os riscos que seus frequentadores enfrentam e possibilitar-lhes escolhas, sem esquecer que oferecer-lhes escolhas não é escolher por eles. Entretanto, sabemos que em muitos casos, a degradação subjetiva pode ter lhes prejudicado severamente a capacidade de fazer escolhas. Podemos, nesses casos, criar estratégias que nos possibilitem escolher com eles, mas jamais à revelia deles, como se tem feito. Também não devemos ofertar a essas pessoas apenas dois caminhos possíveis: com drogas ou sem drogas. É fundamental também considerar possibilidades que incluam viver - com dignidade, com todas as suas potencialidades e contradições - apesar das drogas. E sem nenhuma hipocrisia, tal como faz a maioria de nós.
Fonte: http://ritadecassiadeaalmeida.blogspot.com/2011/07/o-que-fazer-com-as-cracolandias.html
segunda-feira, 18 de julho de 2011
A droga da mídia
Mais do que não se saber o que fazer com o crack, não se sabe falar dele
Antonio Lancetti*
Com honrosas exceções, como a matéria de Eduardo Duarte Zanelato publicada pela revista Época, caderno São Paulo, no dia 27 de março passado e intitulada "Elas tiram as pedras do caminho, a rotina das agentes de saúde que trabalham na cracolândia para convencer os usuários de drogas a se tratarem da dependência", a mídia tem se dedicado a publicar matérias e programas televisivos sensacionalistas e irresponsáveis a respeito do crack.
Muitas equipes de reportagem acompanharam o trabalho de agentes de saúde, enfermeiros e médicos que conseguem romper o cerco que existe entre esses intocáveis e o resto da sociedade. Foram testemunhas da persistência desses trabalhadores do SUS, do conhecimento de histórias de pessoas com vidas difíceis, quando não escabrosas, que são cuidados, que pedem ajuda. Mas não deram uma linha a respeito.
Esses repórteres conheceram homens, mulheres, jovens e crianças que deram um curso inesperado a suas vidas, e estão sendo atendidos pelas equipes de saúde da família ou pelos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS Álcool e Drogas e Infantil da Sé, mas preferem divulgar a ideia de que, se você fumar uma pedra de crack, nunca mais se livrará dela, que a pedra custa cinco reais e que por dois reais você pode adquirir outra destilada com querosene ou gasolina chamada oxi. E dá o endereço: Rua Dino Bueno com Helvetia ou seu entorno chamado "cracolândia paulistana".
Depois da carga midiática, a população flutuante que frequenta a região dos Campos Elíseos e adjacências aumentou significativamente. Se durante a semana há centenas de pessoas nas ruas usando crack, durante o fim de semana são milhares. É só conferir.
Em 1979, Gilles Deleuze produziu um texto luminoso que começa afirmando: "Está claro que não se sabe o que fazer com a droga (mesmo com os drogados), porém não se sabe melhor como falar dela" (Duas Questões, in SaúdeLoucura 3, Hucitec, São Paulo, 1991). Hoje, em 2011, também não sabemos o que fazer com a droga, temos muitas dificuldades para cuidar dos drogados e não sabemos, ou sabemos muito mal falar dela.
Quando alguém se candidata a tratar, cuidar ou, ilusoriamente, salvar essas pessoas, passa a fazer parte de um conjunto-droga: produção, distribuição, consumo, repressão, tratamento... Ser cuidador dessas pessoas requer adentrar em um território complexo, controverso e fascinante.
De que serve o consultório se eles não vão às consultas? Ou as unidades de saúde que abrem às 7 horas da manhã, se a vida nas bocadas invade a madrugada?
Em São Paulo, os profissionais do Sistema Único de Saúde conseguem se vincular com essas pessoas, baseados na práxis do cuidado, na posição ética de defensores da vida e de promotores de cidadania. Mas esses profissionais enfrentam inúmeros obstáculos.
Quanto custa conhecer a biografia de um "noia"? Conseguir que a pessoa tire seus documentos e adira ao tratamento de sua tuberculose, sífilis ou AIDS? Ainda mais quando chegam os guardas municipais, com seus famosos rapas e deixam essas pessoas sem documento e sem remédios. O afeto dos agentes de saúde colide com o gás de pimenta da GCM Guarda Civil Metropolitana, a truculência da Polícia Militar, a falta de vagas em abrigos, a ausência de locais atrativos para homens e mulheres como um dia foi o Boraceia.
Na edição 56 da revista Piauí, Roberto Pompeu de Toledo, em "Crianças do Crack", mostrou detalhes da vida de alguns jovens e algumas crianças e o impasse sistemático da metodologia do Serviço de Atenção Integral ao Dependente (SAID), hospital psiquiátrico conveniado com a Prefeitura de São Paulo e que importa um pacote de tratamento norte-americano.
Os meninos e meninas magistralmente descritos nessa matéria lá estão, em sua grande maioria graças ao vínculo de confiança conquistado pelos agentes de saúde, médicos e enfermeiros do Projeto Centro Legal e do Programa de Saúde da Família do Centro da Cidade de São Paulo. Porém, uma vez lá internados, nessa e em outras clínicas, eles perdem o contato com seus cuidadores. A metodologia centrada exclusivamente na internação hospitalar não se relaciona com os universos onde as pessoas vivem e por isso os processos terapêuticos ficam truncados.
É preciso repetir incansavelmente: não é possível enfrentar de modo simplificado problemas de tamanha complexidade.
Não é verdade que se você experimenta uma vez uma pedra de crack se tornará um viciado, essa ideia só funciona como alma do negócio.
Não é verdade que a internação seja "a solução" para o tratamento dos drogados, se assim fosse não haveria nas clínicas pessoas com 30, 40 ou 50 internações.
Também não é verdade que os verdadeiros toxicômanos mudem com qualquer metodologia clínica conhecida.
É preciso ter condições sociais, relacionais, biológicas e institucionais para se transformar em um verdadeiro toxicômano.
Mas cocaína e crack são absolutamente funcionais a uma sociedade que funciona por falta. O efeito fundamental dessas drogas é o da fissura, da falta de drogas e é disso que as pessoas se tornam adictos: da falta do produto e do produto que produz quimicamente falta.
E assim como a sociedade capitalista vive da produção de falta, a mídia vive da produção de notícia ruim. Os espectadores e leitores, transformados em voyeurs, consomem horas de TV e páginas de jornais e revistas.
Mas a formação do caráter do cuidador ensina ao mesmo tempo nunca cantar vitória e procurar os pontos e linhas de vida em qualquer experiência. Vemos que nem tudo está perdido. Enquanto termino de redigir estas linhas, leio na Folha de S.Paulo a entrevista de Paulina Duarte, Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas, sob o título "Falar que o País vive epidemia de crack é grande bobagem", no qual pode se apreciar serenidade e seriedade.
Mais além de começar a desmontar essas ideias alarmistas e que incitam ao consumo, a mídia poderia se questionar a respeito da eficácia de sua ação e divulgar com maior cuidado os resultados positivos do trabalho de tratamento dos CAPS - Álcool e Drogas, dos consultórios de rua, da equipes de redutores de danos, dos atendimentos de urgência em hospitais e pronto socorros, etc.
O trabalho das equipes de Saúde da Família do Centro da Cidade de São Paulo precisa ser estudado. Elas são a porta de entrada para um mundo quase impenetrável e se pudessem atuar de modo integrado, sem dúvida, teriam maior eficácia. Nunca esquecendo de que o problema das drogas não é de exclusiva competência da saúde.
As manobras e propagandas contra as drogas só promovem exclusão e incitação ao uso. E por outro lado, como afirmou um enfermeiro que atua na região, a cracolândia é o lugar mais democrático da cidade, ali qualquer um é aceito.
Divulgando cada passo positivo, valorizando o trabalho desses cuidadores, a mídia provavelmente não faria bons negócios, mas contribuiria para uma das mais preciosas tarefas da construção da democracia: a de tratar como cidadãos os nossos piores congêneres.
*Psicanalista, autor de Clínica Peripatética (Editora Hucitec). Morador do bairro Campos Elíseos, em São Paulo, próximo à cracolândia.
Antonio Lancetti*
Com honrosas exceções, como a matéria de Eduardo Duarte Zanelato publicada pela revista Época, caderno São Paulo, no dia 27 de março passado e intitulada "Elas tiram as pedras do caminho, a rotina das agentes de saúde que trabalham na cracolândia para convencer os usuários de drogas a se tratarem da dependência", a mídia tem se dedicado a publicar matérias e programas televisivos sensacionalistas e irresponsáveis a respeito do crack.
Muitas equipes de reportagem acompanharam o trabalho de agentes de saúde, enfermeiros e médicos que conseguem romper o cerco que existe entre esses intocáveis e o resto da sociedade. Foram testemunhas da persistência desses trabalhadores do SUS, do conhecimento de histórias de pessoas com vidas difíceis, quando não escabrosas, que são cuidados, que pedem ajuda. Mas não deram uma linha a respeito.
Esses repórteres conheceram homens, mulheres, jovens e crianças que deram um curso inesperado a suas vidas, e estão sendo atendidos pelas equipes de saúde da família ou pelos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS Álcool e Drogas e Infantil da Sé, mas preferem divulgar a ideia de que, se você fumar uma pedra de crack, nunca mais se livrará dela, que a pedra custa cinco reais e que por dois reais você pode adquirir outra destilada com querosene ou gasolina chamada oxi. E dá o endereço: Rua Dino Bueno com Helvetia ou seu entorno chamado "cracolândia paulistana".
Depois da carga midiática, a população flutuante que frequenta a região dos Campos Elíseos e adjacências aumentou significativamente. Se durante a semana há centenas de pessoas nas ruas usando crack, durante o fim de semana são milhares. É só conferir.
Em 1979, Gilles Deleuze produziu um texto luminoso que começa afirmando: "Está claro que não se sabe o que fazer com a droga (mesmo com os drogados), porém não se sabe melhor como falar dela" (Duas Questões, in SaúdeLoucura 3, Hucitec, São Paulo, 1991). Hoje, em 2011, também não sabemos o que fazer com a droga, temos muitas dificuldades para cuidar dos drogados e não sabemos, ou sabemos muito mal falar dela.
Quando alguém se candidata a tratar, cuidar ou, ilusoriamente, salvar essas pessoas, passa a fazer parte de um conjunto-droga: produção, distribuição, consumo, repressão, tratamento... Ser cuidador dessas pessoas requer adentrar em um território complexo, controverso e fascinante.
De que serve o consultório se eles não vão às consultas? Ou as unidades de saúde que abrem às 7 horas da manhã, se a vida nas bocadas invade a madrugada?
Em São Paulo, os profissionais do Sistema Único de Saúde conseguem se vincular com essas pessoas, baseados na práxis do cuidado, na posição ética de defensores da vida e de promotores de cidadania. Mas esses profissionais enfrentam inúmeros obstáculos.
Quanto custa conhecer a biografia de um "noia"? Conseguir que a pessoa tire seus documentos e adira ao tratamento de sua tuberculose, sífilis ou AIDS? Ainda mais quando chegam os guardas municipais, com seus famosos rapas e deixam essas pessoas sem documento e sem remédios. O afeto dos agentes de saúde colide com o gás de pimenta da GCM Guarda Civil Metropolitana, a truculência da Polícia Militar, a falta de vagas em abrigos, a ausência de locais atrativos para homens e mulheres como um dia foi o Boraceia.
Na edição 56 da revista Piauí, Roberto Pompeu de Toledo, em "Crianças do Crack", mostrou detalhes da vida de alguns jovens e algumas crianças e o impasse sistemático da metodologia do Serviço de Atenção Integral ao Dependente (SAID), hospital psiquiátrico conveniado com a Prefeitura de São Paulo e que importa um pacote de tratamento norte-americano.
Os meninos e meninas magistralmente descritos nessa matéria lá estão, em sua grande maioria graças ao vínculo de confiança conquistado pelos agentes de saúde, médicos e enfermeiros do Projeto Centro Legal e do Programa de Saúde da Família do Centro da Cidade de São Paulo. Porém, uma vez lá internados, nessa e em outras clínicas, eles perdem o contato com seus cuidadores. A metodologia centrada exclusivamente na internação hospitalar não se relaciona com os universos onde as pessoas vivem e por isso os processos terapêuticos ficam truncados.
É preciso repetir incansavelmente: não é possível enfrentar de modo simplificado problemas de tamanha complexidade.
Não é verdade que se você experimenta uma vez uma pedra de crack se tornará um viciado, essa ideia só funciona como alma do negócio.
Não é verdade que a internação seja "a solução" para o tratamento dos drogados, se assim fosse não haveria nas clínicas pessoas com 30, 40 ou 50 internações.
Também não é verdade que os verdadeiros toxicômanos mudem com qualquer metodologia clínica conhecida.
É preciso ter condições sociais, relacionais, biológicas e institucionais para se transformar em um verdadeiro toxicômano.
Mas cocaína e crack são absolutamente funcionais a uma sociedade que funciona por falta. O efeito fundamental dessas drogas é o da fissura, da falta de drogas e é disso que as pessoas se tornam adictos: da falta do produto e do produto que produz quimicamente falta.
E assim como a sociedade capitalista vive da produção de falta, a mídia vive da produção de notícia ruim. Os espectadores e leitores, transformados em voyeurs, consomem horas de TV e páginas de jornais e revistas.
Mas a formação do caráter do cuidador ensina ao mesmo tempo nunca cantar vitória e procurar os pontos e linhas de vida em qualquer experiência. Vemos que nem tudo está perdido. Enquanto termino de redigir estas linhas, leio na Folha de S.Paulo a entrevista de Paulina Duarte, Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas, sob o título "Falar que o País vive epidemia de crack é grande bobagem", no qual pode se apreciar serenidade e seriedade.
Mais além de começar a desmontar essas ideias alarmistas e que incitam ao consumo, a mídia poderia se questionar a respeito da eficácia de sua ação e divulgar com maior cuidado os resultados positivos do trabalho de tratamento dos CAPS - Álcool e Drogas, dos consultórios de rua, da equipes de redutores de danos, dos atendimentos de urgência em hospitais e pronto socorros, etc.
O trabalho das equipes de Saúde da Família do Centro da Cidade de São Paulo precisa ser estudado. Elas são a porta de entrada para um mundo quase impenetrável e se pudessem atuar de modo integrado, sem dúvida, teriam maior eficácia. Nunca esquecendo de que o problema das drogas não é de exclusiva competência da saúde.
As manobras e propagandas contra as drogas só promovem exclusão e incitação ao uso. E por outro lado, como afirmou um enfermeiro que atua na região, a cracolândia é o lugar mais democrático da cidade, ali qualquer um é aceito.
Divulgando cada passo positivo, valorizando o trabalho desses cuidadores, a mídia provavelmente não faria bons negócios, mas contribuiria para uma das mais preciosas tarefas da construção da democracia: a de tratar como cidadãos os nossos piores congêneres.
*Psicanalista, autor de Clínica Peripatética (Editora Hucitec). Morador do bairro Campos Elíseos, em São Paulo, próximo à cracolândia.
domingo, 17 de julho de 2011
CRP-MG convida para a Roda de Conversa: “Políticas Públicas de álcool e outras drogas”
O evento, realizado pelo Conselho Regional de Psicologia - Minas Gerais (CRP-MG) visa defender uma política pública de atenção aos usuários de álcool e outras drogas, sustentada pelos princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica.
PALESTRANTES
Denis Petuco Cientista Social
Domiciano Siqueira Presidente da Associação Brasileira de Redutores de Danos
Virgílio de Mattos Advogado criminalista e professor universitário
Local: Sindicado dos Jornalistas Profissionais de MG
Av. Álvares Cabral, nº 400 - Centro
Data: 20/07/2011
Horário: 19h00 às 22h00
PALESTRANTES
Denis Petuco Cientista Social
Domiciano Siqueira Presidente da Associação Brasileira de Redutores de Danos
Virgílio de Mattos Advogado criminalista e professor universitário
Local: Sindicado dos Jornalistas Profissionais de MG
Av. Álvares Cabral, nº 400 - Centro
Data: 20/07/2011
Horário: 19h00 às 22h00
quarta-feira, 13 de julho de 2011
Próxima reunião!
Olás!
Lembramos tod@s de nossa reunião amanhã (14/07), às 18h30min, na cantina da Escola de Enfermagem. Teremos algumas pautas e a formação sobre OS, mais tarde traremos mais informações.
Abraços!
ESPAÇO SAÚDE
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