10/03/2010
RODRIGO NARCISO
Faltam remédios e equipamentos básicos; faltam profissionais; faltam salários adequados; e falta interesse do governador Aécio Neves (PSDB) para atender as reivindicações dos profissionais. Esse cenário de múltiplas carências e grave abandono motivou as equipes médicas do Hospital Pronto–Socorro João XXIII, em Belo Horizonte, a iniciarem às 7h de ontem uma paralisação de advertência, com duração de 24h. Durante o período de paralisação, que termina nesta manhã, os profissionais do maior pronto-socorro mineiro atenderam só os casos mais graves e encaminharam os demais a outras unidades de saúde.
“A situação no hospital é crítica e já estamos no limite. Nossa reivindicação não é apenas salarial. Precisamos melhorar a estrutura do João XXIII para oferecer um serviço digno à população”, disse o presidente do Sindicato dos Médicos, Cristiano da Matta Machado.
Há 15 meses os médicos que atendem os casos de urgência e emergência do pronto-socorro, referência no atendimento de politraumatizados, intoxicados e queimados em Minas Gerais, iniciaram o movimento “SOS: o HPS João XXII pede socorro”. A pauta de reivindicações contempla, além da questão salarial, melhores condições de trabalho com garantia de equipes completas; fluxo constante e regular de medicamentos; materiais básicos no atendimento de urgência e emergência, além de leitos em número suficiente para suprir a demanda dos cerca de 450 pacientes que diariamente dão entrada no pronto-socorro.
De acordo com o sindicato, a política salarial adotada pelo Governo Aécio Neves se limita à concessão de abonos, que não são contabilizados, por exemplo, na hora da aposentadoria e do recebimento de outros benefícios. Uma proposta já foi encaminhada à Secretaria estadual de Planejamento e Gestão, mas o governo se recusa a atender as reivindicações.
Na quinta-feira, uma nova assembléia será realizada. Se não houver retorno positivo do governo estadual, os médicos podem parar por tempo indeterminado.
Livro de ocorrências do HPS é um diário de calamidades
10/03/2010
A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) afirma que os médicos do HPS possuem todas as condições necessárias para atender a população e que não há motivos para que paralisem as atividades. No entanto, relatos escritos no Livro de Ocorrência dos médicos do hospital mostram que a percepção do Governo Aécio sobre as condições de trabalho no Pronto-Socorro não condiz com a realidade dos profissionais da saúde que, diariamente, sofrem com a falta de estrutura.
Eis alguns exemplos:
29/09/09: “Paciente vítima de acidente causado com hélice de avião, trauma torácico grave à direita com lesão de vários arcos costais e de parede torácica mais contusão pulmonar. Encaminhado ao bloco cirúrgico e retornou à sala de politraumatizados pois não tinha anestesista para resolver o caso”.
16/08/09 – Noturno: “Paciente confuso. Caiu da maca, com trauma fronto-facial à esquerda. Foi amarrado à maca para não cair novamente: sua maca tem grade, mas não à esquerda. (quebrada)”
06/03/2009: “Na sala de politraumatizados não há sonda de aspiração adequada para uso em pacientes entubados. A única que há, a mais fina, é no. 12, que não funciona para todos os casos. Isso prejudica a manobra de entubação de pacientes em parada respiratória”.
08/02/2009: “Equipe incompleta de neurocirurgia. Tomografia estragada. Vários pacientes na sala de politraumatizados aguardando exames de tomografia a serem realizados em outro hospital (H. Odilon Bherens). Plantã o noturno: tomografia não funciona. Apenas 1 bala de oxigênio para transporte dos pacientes. Não existem monitores para transporte dos pacientes graves. Não existem sondas vesicais (para sondagem de bexiga) de demora no. 14 e 16 no hospital”.
12/02/2009: “paciente O.F.O. – operada de lesão de tendões flexores (mão esquerda), não consegui auxiliar para esta cirurgia, e fiz o procedimento sozinho. A falta de auxiliar é uma constante no setor de cirurgia de mão”.
15/02/2009: “R.T.S. – com trauma craniano, afundamento de crânio, não há sala ou previsão de sala no bloco cirúrgico. Hoje apenas 5 funcionários no bloco cirúrgico, segundo a supervisora de enfermagem. A cirurgia iniciou somente às 03:00 hs da manhã. Não havia aparelho para tricotomia (raspar a cabeça) com bateria, foi usada lâmina de bisturi para raspar. Não havia gorro para a cabeça no bloco cirúrgico, usamos pro-pé (usado nos pés) em seu lugar”.
16/02/2009: “paciente V.F.G. ainda aguarda realização de traqueostomia, pois ainda não compraram cânulas apropriadas para o paciente”.
17/11/08: – “Sem lâmpadas e papel toalha no banheiro masculino do repouso médico há mais de 8 dias”.
24/02/2009: “a reveladora de filmes da tomografia está novamente estragada. Agora, além de não termos os resultados em mãos, temos que ir á sala de tomografia para ver o resultado. Desperdício de tempo e pessoal (que continua deficitário – 3 neurocirurgiõ es ao invés de 5)”.
25/11/08 às 9h10min: “Atendemos o paciente I.S.R., vítima de atropelamento por caminhão. Paciente grave, com fratura exposta do membro inferior esquerdo… Não há sistema fechado para coletar urina em nenhum setor do hospital (informação confirmada pela farmácia). Estamos expondo nosso paciente a um risco aumentado de infecção por falta de material.”
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